Assassinos da Lua das Flores
dirigido por Martin Scorsese
2023
2023
Texto de Agatha Fernandes
Já faz uma década que Martin Scorsese tem consistentemente lançando filmes que parecem ser seus cantos do cisne. Culminações grandiosas de toda a sua obra e temas recorrentes, dignas de serem o projeto final de seu autor; tanto O Lobo de Wall Street, quanto Silêncio, e O Irlandês têm esta qualidade. Martin está ficando cada vez mais velho, e ele certamente sabe disso, então ele está usando o tempo que o resta para produzir seus projetos mais ambiciosos e impetuosos. Assassinos da Lua das Flores decerto pertence a essa sua leva recente de filmes.
O filme conta a história real do Reinado do Terror, um episódio na história do estado americano de Oklahoma onde os Osage - um povo indígena que havia enriquecido graças a descoberta de petróleo em suas terras - foram sistematicamente assassinados por seus compatriotas brancos pelo seu dinheiro. Narrado pela perspectiva de Ernest Burkhart (Leonardo DiCaprio), um veterano da Primeira Guerra que é persuadido a participar na conspiração para matar a família de sua esposa Osage, pelo seu tio pecuarista William K. Hale (Robert De Niro).
Há argumentos a serem levantados de que o filme deveria ter sido contado pela perspectiva de Mollie (Lily Gladstone), a esposa de Ernest, pois assim os horrores pelos quais o povo Osage passou poderiam ser transmitidos de forma mais direta e visceral. Mas para isso, teria sido necessário um diretor Osage. Scorsese provavelmente sabia de suas limitações para com esta história como um homem católico branco, e decidiu fazer algo diferente.
Graças ao ponto de vista história ser o de Ernest, o filme acaba por se tornar um exercício em culpa branca. Forçando a audiência não-Osage a olhar internamente e investigar quanto eles estariam dispostos a fazer vista grossa ao racismo inerente na estrutura da sociedade, ou até mesmo ajudar em sua imposição. Ademais, fazê-los confrontar a sua própria história, seja o espectador dos EUA ou de qualquer outra nação com uma história de opressão.
Ernest vive na contradição do amor que ele sente por Mollie e os atos horrendos que ele está cometendo contra sua família. Mas apesar do conflito interno e da culpa que sente por tal, ele continua colocando os planos de seu tio em movimento em prol de seu próprio benefício financeiro; Scorsese não hesita em retratá-lo como covarde. A performance de DiCaprio perfeitamente convence a audiência destas contradições. Com seu rosto em uma carranca perpétua, ele consegue fazer com que o espectador sinta empatia por seu personagem, sem nunca simpatizar com suas ações.
Assassinos da Lua das Flores está repleto de performances excelentes, De Niro é absolutamente detestável e temível como Hale, o regente desta conspiração. Mas o destaque é facilmente de Lily Gladstone como Mollie, cuja dor é extremamente palpável durante cada segundo que ela está em tela. A sutileza de sua performance permite com que a audiência sinta cada emoção junto dela, desde a descrença de sua situação, ao sofrimento de perder os membros de sua família misteriosamente, à sua paranoia dirigida a todos, até a dependência que havia desenvolvido para com seu marido.
Não só as estrelas principais brilham como os papéis secundários são todos realizados com maestria: desde Tantoo Cardinal como a mãe adoecida de Mollie, William Belleau como o depressivo e manipulado Henry, até Brendan Fraser como o imponente e manipulativo advogado de Hale, entre muitos outros.
Scorsese mais uma vez usa dos trejeitos de seus filmes clássicos de máfia, retratando um esquema de violência organizada a serviço do capital, mas desta vez retira qualquer semblante de glória que os personagens possam sentir com suas conquistas. Assassinos da Lua das Flores é um filme saturado de tragédia e pesar, os Osage morrem brutalmente e nunca vemos os personagens aproveitando dos frutos de seus atos nefastos, tudo é contado de uma maneira incrivelmente sóbria.
A extensa metragem do filme é mais do que justificada pelo imenso escopo do assunto apresentado. E a editora parceira de longo prazo de Scorsese, Thelma Schoonmaker, lida perfeitamente com esta duração. Cada cena é estritamente necessária para o desenvolvimento da história, e ela a monta de uma maneira que absorve o espectador de modo que as mais de 3 horas de filme passem quase que despercebidas.
A direção de Scorsese continua precisa como ela sempre foi, senão mais. Mesmo de uma história tão sombria e trágica como esta, ele ainda consegue extrair algumas das imagens mais belas capturadas em celuloide neste ano. Ele não está desacelerando e continuará fazendo filmes até não poder mais, e de alguma forma ele está em seu absoluto auge neste exato momento.
Publicado em 12 de março de 2024