Lilith
dirigido por Bruno Safadi
2024
2024
Texto de Agatha Fernandes
O longa brasileiro ‘Lilith’ é uma interpretação do mito de Lilith, a primeira do mundo antes de Eva, e a primeira esposa de Adão; que acabou se tornando rebelde demais para tanto seu marido quanto para Deus. Uma figura originária da mitologia mesopotâmica, que foi apropriada pela Igreja durante a Alta Idade Média.
‘Lilith’ é um filme que abandona formas convencionais de contar sua história, optando por uma abordagem mais poética e experimental. Sua história não é contada através de diálogos como no modelo clássico de roteiro, mas sim por dinâmicas interpessoais. A insatisfação da Lilith em relação à sua esperada passividade a Adão. A frustração de Adão em relação à insubmissão de Lilith, e o desejo por uma mulher mais subserviente. E, eventualmente, a obediência - mesmo que não completamente satisfeita - de Eva.
O contraste entre a adoração devota a Deus de Adão e o misticismo pagão (mas sem nunca se desviar completamente de Deus) de Lilith - que faz jus a sua origem mesopotâmica - é uma das forças motrizes da história. Com a angústia dela em relação à estrutura patriarcal da sociedade na qual ela é inserida. Esses elementos de sua personagem são o que movem sua história à frente.
Durante seus 80 minutos, a obra possui apenas uma cena com diálogos tradicionais. A maior parte de suas falas são entregues ou em forma de monólogos, música, ou poesia falada. Dando ao filme um ar inequivocamente fantasioso e mítico.
Este poetismo e experimentalismo se estende por todos os outros aspectos do filme. A fotografia e direção de arte buscam constantemente criar imagens belíssimas com composições bem pensadas e um ótimo trabalho de iluminação. Dando vida ao pacífico e naturalmente rico Jardim do Éden, também com um ótimo trabalho sonoro que sugere a existência de uma natureza indomada ao redor dos protagonistas.
No entanto, é uma experimentação que por vezes se perde nela mesma. ‘Lilith’ usa e abusa de efeitos especiais práticos que evidenciam o contexto mitológico e divino da história, dando ao filme um elemento fantasioso que o eleva. Mas que, no exemplo da frequente coloração de quadros que é feita na pós-produção, às vezes parecem desmotivadas e aplicadas em uma tentativa deliberada de alcançar uma desejada aura de prestígio; uma busca que acaba por deixar o filme desnecessariamente denso e pretensioso.
‘Lilith’, então, se apresenta como um texto feminista, mesmo que não dos mais profundos. Um filme que argumenta a favor da sororidade, o companheirismo entre todas as mulheres; já que todas, de uma forma ou de outra, sofrem sob a sociedade patriarcal. Que usa da sua ambientação mítica para comentar a forma como mulheres foram (e continuam a ser) vilanizadas através da história.
Publicado em 29 de março de 2024