Megalópolis
dirigido por Francis Ford Coppola
2024
2024
Texto de Agatha Fernandes
Por 40 anos, o lendário diretor Francis Ford Coppola - autor de obras seminais como ‘O Poderoso Chefão’, ‘Apocalypse Now’ e ‘A Conversação’ - tinha um sonho. Um sonho que sempre levava consigo, mas que sempre parecia fora de seu alcance. Um sonho que o acompanhava, constantemente no fundo de sua mente, enquanto fracassos de bilheteria como ‘O Fundo do Coração’ o arrancou das graças de Hollywood, o relegando a fazer apenas filmes pequenos, auto-financiados, e sem alarde popular. Um sonho que, nunca realizado, o atormentava enquanto o tempo passava, impiedosamente, através dele. Este sonho era ‘Megalópolis’.
Durante todo esse tempo, Coppola incessantemente trabalhava no roteiro e buscava financiamento para aquilo que ele considerava que se tornaria sua obra-magna. Uma recontagem futurista da Conspiração Catalinária, que ocorreu durante a República Romana Tardia. Onde Catilina tentou depor o consulado de Cícero, sendo exposto pelo mesmo, e obrigado ao exílio. As verdadeiras intenções de Catilina não são claras, já que a História é escrita pelos vencedores, neste caso, Cícero.
Coppola transpõe este episódio histórico em uma versão futurista de Nova Iorque, chamada de Nova Roma. Uma cidade tomada pela decadência e corrupção, traçando um paralelo explícito entre a queda de Roma e o atual clima social dos EUA. Nesta ambientação, se encontra um embate político entre César Catilina (Adam Driver) e o atual prefeito Cícero (Giancarlo Esposito). Catilina busca construir uma nova cidade por cima das ruínas nas quais Nova Roma se encontra, uma utopia ambiciosa a qual ele chama de Megalópolis, enquanto Cícero tem uma proposta mais conservadora para amparar as mazelas de sua cidade.
Um cenário pintado perfeitamente para entregar comentários sociais perspicazes e profundos, afinal, a melhor forma de se entender o presente é através do passado. No entanto, neste quesito, ‘Megalópolis’ não é capaz de fazer jus a sua promessa. A utopia proposta por Catilina é tão vaga que é impossível descrevê-la além de “tecnológica e arquiteturalmente audaz”. As visões de sua Megalópolis nos mostram nada além de uma estética futurista, fazendo com que a utopia com a qual ele tanto sonha, seja nada mais que uma ideia superficial de futuro. Essa superficialidade não acaba com Catilina, todos os personagens são mais arquétipos que pessoas tridimensionais.
Quanto à trama, tentar resumi-la é um exercício fútil. Sua progressão se encontra por trás de camadas e camadas de abstração. Eventos começam, acabam, e por si só ocorrem na forma de um fluxo de consciência, valorizando muito mais o que está acontecendo no momento do que em manter uma espécie de naturalismo ou congruência narrativa. Algo que, para a maior parte dos espectadores do filme, será discordante ou até mesmo ofensivo. Mas, ao olhar para ‘Megalópolis’ como uma fábula sobre Roma (uma interpretação encorajada pelo subtítulo do filme: ‘Uma Fábula’), essa estrutura narrativa estranhamente faz sentido temático. A trama se desenrola como se fosse uma aula de história, pulando de um evento significativo para o próximo, como se fosse um professor contando os vários eventos que levaram ao declínio de uma civilização.
O formato abstrato da narrativa encontra apoio na linguagem visual que a comunica. As direções de arte e fotografia se unem para criar um mundo excêntrico, abundante, e decadente. A arquitetura de Nova Iorque é dotada de uma art déco que se entrega perfeitamente à fantasia da fábula de Coppola. Os cenários mesclam a modernidade da art déco com um estilo clássico remetente à Roma, criando ambientes que enchem os olhos com esplendor.
Na fotografia é onde Coppola mais se aventura. Tendo sido desde sempre um diretor ambicioso, constantemente buscou criar visuais únicos em seus filmes. Em ‘Megalópolis’ ele se deixa entregar ao excesso, criando momentos surreais que complementam perfeitamente o abstracionismo da trama, onde apenas tal estética seria capaz de comunicar algo tão incongruente. Fazendo uso copioso de sobreposições para criar cenas psicodélicas em alguns dos momentos mais intensos do filme.
Tendo tudo isso em mente, é possível traçar uma segunda linha temática de ‘Megalópolis’: a de uma fábula sobre o próprio Francis Ford Coppola. As similaridades entre César Catilina e Coppola são numerosas: Um gênio ambicioso que tinha sua própria ideia sobre como a sociedade (no caso de Coppola, a indústria cinematográfica) deveria funcionar, seus esforços sempre incompreendidos e frustrados pelos que detêm poder. Indulgente como seja esta leitura, ela é impossível de ignorar. Desta forma, a titular Megalópolis pode ser vista como um novo cinema, onde os cineastas possuem mais poder sobre suas obras do que os investidores, podendo levar a arte cinematográfica aos seus limites; algo que Coppola claramente tenta fazer com ‘Megalópolis’.
A pergunta que impregna o espectador ao assistir ‘Megalópolis’ é: seria isso uma expressão artística avant-garde de um gênio incompreendido, ou os delírios dementes de um velho obcecado? Ou talvez os dois? Não é meu lugar, ou até mesmo o lugar da crítica em geral, responder isto. ‘Megalópolis’ é uma obra complexa e certamente falha, e cabe apenas ao espectador decifrar o que ela significa para ele. Coppola buscou fugir do convencional, e esse objetivo ele com certeza alcançou.
Publicado em 16 de dezembro de 2024