Zona de Interesse
dirigido por Jonathan Glazer
2024
2024
Texto de Agatha Fernandes
Em 1956, o diretor francês Alan Resnais produziu o curta-metragem ‘Noite e Neblina’, um documentário sobre o Holocausto composto apenas de imagens de arquivo do campo de concentração de Auschwitz e de gravações do local 10 anos após o fim da guerra. Essa abordagem permitiu que Resnais retratasse os horrores e crueldade deste genocídio de uma maneira crua e direta, evitando quaisquer embelezamentos e espetáculos. 67 anos depois, em 2023, o britânico Jonathan Glazer adotou uma abordagem similar, mas distinta, colocando a câmera do lado de fora de Auschwitz.
‘Zona de Interesse’ acompanha a família Hoss, cujo patriarca, Rudolf, é o oficial supervisor da SS no campo. Seguindo suas rotinas em sua bela casa de campo, com uma horta modesta, uma piscina e Auschwitz logo no quintal deles.
A relação entre a família e o campo é revelada aos poucos, mas quando você percebe que os muros da casa dão diretamente para o campo, eles nunca mais sairão de sua vista. A câmera nunca chega a entrar em Auschwitz, nunca mostra de fato os horrores que ocorriam lá diretamente, mas esse fato não significa que a audiência não é confrontada com isso.
A verdadeira genialidade e horror de ‘Zona de Interesse’ vem no gritante contraste entre o áudio e o visual do filme. Esses elementos estão em completa assintonia, enquanto a fotografia mostra uma vida idílica e serena, em uma pitoresca casa de campo, se esforçando para reforçar a beleza que eles veem nessa vida, o design sonoro conta uma história completamente diferente. Durante essas cenas mundanas, é possível ouvir gritos aterrorizados, barulhos de tiro, a crepitação dos crematórios industriais. Esses sons invadem a paisagem sonora de uma forma impossível de se ignorar, eles são assombrosos, como se fossem os fantasmas das vítimas desse genocídio voltando para atormentar os responsáveis pelos seus destinos; mas, de alguma forma, a família Hoss os ignora completamente.
Eles não esboçam nenhuma reação aos horrores acontecendo logo no terreno vizinho, sendo constantemente indiferente a eles. Os doloridos gritos não os incomodam, os tiros dos paredões de fuzilamento não os assustam, a luz vinda dos crematórios não os acordam durante a noite. Talvez eles se acostumaram com tudo isso, se tornando simplesmente parte da vida deles, tão comum e banal como o canto de pássaros ou o barulho do vento; talvez eles estejam inconscientemente reprimindo tudo isso, para não terem que enfrentar a crueldade da qual fazem parte.
Esta desarmonia entre imagem e som poderia facilmente ter acabado com o filme, ter feito de ‘Zona de Interesse’ algo incoerente e confuso. Mas a direção visionária de Glazer faz tudo funcionar de forma magistral. Alcançando um equilíbrio perfeito entre uma beleza aparente e um terror inimaginável.
São raras as vezes que o Holocausto é diretamente mencionado, e quando é, é sempre de uma forma banal. Seja através de sua burocracia e planejamento através do trabalho do Hoss, ou em formas de piadas, ou, mais assustadoramente, em uma comemoração do Partido Nazista, celebrando o extermínio da população judaico-húngara.
"Zona de Interesse" não é um filme de terror, mas ele com certeza é horripilante. Mostrando como, com tempo o suficiente, até mesmo as maiores perversidades irão se tornar banais e comuns. Nos países com um passado de escravismo e segregação, tais práticas eram vistas como habituais e partes fundamentais dessas sociedades. O genocídio palestino por parte de Israel está acontecendo há décadas, há tempo o suficiente para o ato de chama-lo de “genocídio” ser algo controverso. O mal vira rotina, o ódio se torna mundano, e a crueldade é empurrada para as profundidades dos subconscientes daqueles privilegiados o suficiente para poder ignorar tudo isso.
Publicado em 02 de março de 2024