Nosferatu
dirigido por Robert Eggers
2025
2025
Texto de Agatha Fernandes
Na Alemanha do começo da década de 1920, o diretor de arte e ocultista Albin Grau teve a ideia de criar uma adaptação do clássico livro ‘Drácula’, de Bram Stoker. Fundou a produtora Prana Film e recrutou o diretor em ascensão F.W. Murnau - ambos tiveram grandes influências sobre o resultado final do filme. No entanto, já que não haviam os direitos para adaptar o romance, tiveram que fazer mudanças para evitar a lei de direitos autorais: Harker torna-se Hutter, Conde Drácula torna-se Conde Orlok, e ele é chamado de “Nosferatu” - uma palavra arcaica romena, sinônima de “vampiro”, resgatando as origens leste-européias do mito do vampiro moderno. ‘Nosferatu, Eine Symphonie des Grauens’ acabaria sendo o único filme produzido pela Prana Film, já que declararam falência após uma batalha legal com a viúva de Bram Stoker, Florence, pelos direitos autorais, ordenando que todas as cópias do filme fossem destruídas. Graças à ampla distribuição do filme, várias cópias sobreviveram.
‘Nosferatu, Eine Symphonie des Grauens’ foi um pioneiro no cinema de horror, se tornando o maior exemplo do Expressionismo Alemão, e moldando a linguagem de filmes de terror por décadas a vir. O próprio Orlok se tornando um dos vampiros mais famosos da cultura pop (atrás apenas de Conde Drácula), e rendendo refilmagens ao longo dos anos.
A mais recente dessas refilmagens estreou em janeiro nos cinemas brasileiros, dirigido por Robert Eggers, diretor de ‘A Bruxa’ e ‘O Farol’, e um dos queridinhos desta nova geração do cinema de horror. ‘Nosferatu’ é o projeto dos sonhos de Eggers desde que ele viu o filme original quando criança e tentava tirá-lo do papel desde o sucesso de seu primeiro filme.
Eggers traz a ‘Nosferatu’ sua característica obsessão e rigor em relação à autenticidade histórica e à complexidade de sua linguagem audiovisual. Uma abordagem que combina com no que ele transforma a clássica história de ‘Nosferatu’, um conto de obsessão e repressão.
A trama geral segue a mesma que sempre foi: Thomas Hutter é convocado pelo seu patrão para ir à Transilvânia para vender uma mansão para Conde Orlok, mesmo após sua esposa, Ellen, implorar para que ele não vá. Após a venda, Orlok, que fica fascinado por Ellen, vai até a Alemanha, levando a peste negra consigo.
O primeiro ato do filme segue esta trama de forma muito próxima, com Thomas indo até o castelo de Orlok, e descobrindo, para o seu horror, a natureza diabólica de seu anfitrião. Esta parte do filme traz um horror de forma mais tradicional, criando uma tensão que coloca o espectador no lugar de Hutter, temendo pela sua vida em frente à presença amedrontadora de Orlok. Uma presença criada magistralmente por Bill Skarsgård, que desaparece em seu papel, trazendo um trabalho de corpo e voz que te fazem duvidar se quem está na tela não é um vampiro de verdade. Após Orlok sair de seu castelo, rumo à Alemanha, Eggers transforma Ellen na protagonista de fato do filme.
Nesta versão, Orlok tem em Ellen seu objetivo final desde muito antes da história ter início. Ela, por muitos anos, tem sonhos onde Orlok clama por ela, para que eles se unam carnalmente, para que ela se torne dele, e ela retribui seus chamados. Essa relação se dá desde que Ellen era uma jovem solitária, e clamava por companhia ao sobrenatural, e Orlok respondeu seus chamados. Esses episódios são interpretados como ataques de delírio, mas, para ela, são extremamente reais e satisfatórios.
Eggers traz esse mundo gótico à vida com uma fotografia belíssima. Usando iluminação esparsa, mas que permite o que é importante ainda ser visto. Principalmente nesta primeira parte, os personagens e ambientes estão constantemente envoltos por escuridão, iluminado apenas pela luz da lua ou de velas, criando uma atmosfera opressora.
Os ambientes que os personagens habitam são, como de se esperar de Eggers, construídos sob uma rigorosa atenção histórica e cultural. Wisborg é trazida à vida exatamente como seria se tivesse existido na Alemanha do século XIX, com sua arquitetura, decoração e vestimentas dos personagens, com claras influências góticas estampadas em todo lugar.
Eggers também resgata, com grande peso à trama, dois elementos do filme original que normalmente se perdiam nas outras releituras de ‘Nosferatu’: a mitologia leste-europeia que moldou a percepção moderna dos vampiros, e o ocultismo. Albin Grau, o idealizador de ‘Nosferatu’, era um proeminente ocultista e queria trazer elementos de suas crenças à sua interpretação de ‘Drácula’. O Nosferatu, na história original, era cria de Belial; o nome de sua produtora, “Prana” vinha de um jornal teosófico, deixando claro suas influências ocultistas. Todas essas influências do oculto que até então estiveram presentes apenas na obra original, Eggers incorpora em sua narrativa e criação de mundo.
Este ângulo ocultista se faz onipresente na trama. O Professor Albin Von Franz (Willem Dafoe), um acadêmico das artes ocultas e alquímicas, diz em uma cena que a luz da ciência não meramente iluminou a humanidade, mas nos cegou ao que há de metafísico nesta Terra. Um pensamento que traça um paralelo interessante com a situação de Ellen.
Talvez, os desenvolvimentos sociais europeus (a ascensão do capitalismo, a instituição do casamento), embora pareça ter originado o modelo de vida ideal, também reprime mulheres como Ellen. Mulheres de paixão ardente, que querem algo além de um marido trabalhador e uma grande casa. Mulheres com um desejo reprimido, um desejo que devem buscar em meio às sombras, onde Orlok habita.
Mais do que um espírito obsessor, Conde Orlok representa para Ellen tudo o que ela é incapaz de conseguir em meio à sociedade polida.
Publicado em 14 de janeiro de 2025